A Europa e o controle de desmatamento no Brasil: a Colaboração pode trazer avanços comuns?

Rodrigo C. A. Lima, sócio-diretor da Agroicone; e Laura Antoniazzi, sócia e pesquisadora sênior da Agroicone

O mundo está cada vez mais preocupado com o desmatamento de florestas tropicais, pelo grande valor ecológico desses ecossistemas e pelas emissões de gases de efeitos estufa (GEEs). Apesar de os setores de agricultura e uso da terra representarem 22% das emissões globais, governos, empresas e sociedade em geral entendem que coibir desmatamento é possível e desejável. As pressões já existiam na Europa há décadas e agora ganhou novo impulso com a aprovação de regulamentação de “due diligence” no Parlamento Europeu em 2022.

As exigências da Europa sempre foram importantes para pautar a evolução dos critérios socioambientais da produção agropecuária brasileira. Desde o tempo da colonização, grande parte dos produtos brasileiros tem destino final nos países europeus e, mesmo com a ampliação dos mercados, as exportações para o mercado europeu representam 16% dos embarques do Brasil. A soja lidera a pauta exportadora e o setor está envolvido em negociações com países e compradores europeus para zerar o desmatamento há muito tempo. Mesmo com aumento da participação de outros mercados na compra de soja, notadamente China, os padrões da indústria europeia ainda são muito importantes para produção brasileira e podem ser considerados benchmarking. Quem atende Europa estará preparado para atender qualquer outro mercado.

Na Amazônia, o problema foi praticamente eliminado com a criação da Moratória da Soja em 2006. Criado por pressão de entidades ambientalistas, as indústrias se juntaram com organizações do terceiro setor para elaboração e execução do programa, chancelado pelo governo federal. Os custos do monitoramento e transparência do sistema são da associação das indústrias. Apesar de ainda ter espaços para aperfeiçoamentos, a Moratória da soja na Amazonia é uma referência importante e coíbe a produção em áreas desmatadas a partir de 2008, e direcionou a expansão de novas fazendas no Cerrado, em especial nos estados de Maranhão, Tocantins, Piaui e Bahia (conhecido como Matopiba). Não foi possível se chegar a acordo similar nesse bioma nos últimos anos, por desentendimentos entre setor privado e organizações ambientalistas, somada a um ambiente desfavorável no governo. O debate segue sobre como aumentar produção nas fronteiras agrícolas no Matopiba conciliado a redução do desmatamento, que acumulou 13 milhões de hectares entre 2001 e 2020.

A nova lei da União Europeia definiu que não poderão ser comprados produtos oriundos de desmatamento a partir de 2021, o que significaria desmatamento zero, mesmo nas áreas abertas legalmente. Esta nova lei traz muitos impactos e discussões que precisam ser endereçadas por proprietários, indústrias e governos, e ter apoio de pesquisadores e sociedade civil para avançar no cumprimento é desejável. Conciliar os vários benefícios socioeconômicos da exportação de soja com a desejada proteção ambiental é um dos grandes desafios para desenvolvimento sustentável do Brasil e do seu crescente papel na geopolítica mundial.

Um ponto especialmente polêmico para o Cerrado é a definição de desmatamento, dado que esse bioma tem significativa cobertura de ecossistemas não florestais, como campos e savanas, que também tem relevância ecológica. Segundo a FAO, desmatamento se refere a conversão de florestas para outros usos, sendo que florestas são ecossistemas com mínimo de 10% de cobertura de copas e 5 metros de altura. Desta forma, campos nativos do Cerrado estariam de fora da proteção europeia.

Outro ponto polêmico é que a lei prevê que o cumprimento de relevantes leis ambientais pode ser usado como referência, o que gera uma ambiguidade com o grau de cumprimento necessário com a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, o chamado Novo Código Florestal. Será exigido que propriedades de soja tenham recuperado suas Áreas de Preservação Permanente (APPs) e recuperados ou compensados suas Reservas Legais? Como garantir o cumprimento dessas exigências, quando os próprios governos estaduais ainda não dispuseram de todos nos instrumentos para os proprietários?

A soja lidera a pauta exportadora e o setor está envolvido em negociações com países e compradores europeus para zerar o desmatamento há muito tempo. Mesmo com aumento da participação de outros mercados na compra de soja, notadamente China, os padrões da indústria europeia ainda são muito importantes para produção brasileira e podem ser considerados benchmarking. Quem atende Europa estará preparado para atender qualquer outro mercado.

Não há definição de quais as medidas de verificação deverão ser feitas e quem será responsável por quais procedimentos. Desta forma, o mercado terá que definir quais serão os processos e como esses custos de verificação serão distribuídos ao longo da cadeia, entre produtores, indústria, exportadores, compradores. É claro que as soluções tecnológicas existem, porém são complexas, e soluções setoriais esbarram também em compartilhamento de informações comerciais sensíveis. 

Com a possível dificuldade de fazer originação com custo e sem risco de vinculação com desmatamento, existe chance de compradores europeus excluírem regiões e países com florestas. Isso geraria um impacto socioeconômico negativo e simplesmente excluiria produtores sem que a Europa contribua, efetivamente, para ajudar a controlar e evitar desmatamento. O Brasil ou estados da Amazônia poderiam ser considerados áreas e risco e, assumindo que os importadores tenderão a preferir áreas com menor risco, poderiam ter todas sua pauta exportadora bloqueada.

A relação comercial poderia ser diferente e favorecer melhorias contínuas na proteção ambiental, ao mesmo tempo que colaboraria com desenvolvimento do Brasil e, em especial, das regiões de fronteira agrícola, as mais pobres. Comprar soja de regiões que simultaneamente protegem e restauram suas florestas poderia ser um diferencial positivo, pois gera renda para região e também apoia conservação, o que o mundo precisa em tempos de crise climática. Com participação de governos e sociedade civil junto a negociação entre compradores e vendedores e com colaboração entre os países, respeitando as prioridades e desafios de cada um, é possível que comércio de soja seja vetor positivo para sustentabilidade global. 

Com o apoio do Land Innovation Fund, a Agroicone implementou um projeto de políticas públicas inovadoras voltadas para a conservação e a restauração de propriedades privadas no Matopiba. Conheça a iniciativa aqui.

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