Façamos com que o projeto de lei anti desmatamento da União Europeia funcione para a soja

Gert van der Bijl, assessor sênior de política pública para a União Europeia, Solidaridad

Em junho de 2023, o Parlamento Europeu votará um projeto de lei que obrigará as empresas que comercializam gado, couro, cacau, café, óleo de palma, carvão vegetal, madeira, borracha ou soja no mercado europeu a comprovarem que o produto não provocou desmatamento e degradação de florestas a partir de 31 de dezembro de 2020. É provável que a nova legislação tenha sérias consequências para o setor da soja.

Em 2021, a União Europeia importou cerca de 32,5 milhões de toneladas em produtos de soja (feijão, farelo e óleo). Mais de 75% dessa soja veio da América do Sul. Isto significa que a América do Sul é realmente importante para a União Europeia. Por outro lado, com cerca de 15% da soja produzida na América do Sul indo para a Europa, o velho continente é um mercado importante, mas definitivamente não dominante.

A nova regulamentação em tramitação tem o potencial de ser extremamente impactante. Se considerarmos a soja na América do Sul, há regiões onde a expansão ou o desmatamento podem ser um problema. Cerca de 80% de toda a soja vem de regiões estabelecidas há muito tempo. O principal impacto das novas regras é exigir que as empresas forneçam geolocalizações (e mapeamento de polígonos, a partir de quatro hectares) de produtos, e que garantam a rastreabilidade desde a plantação até o mercado europeu.

As empresas que comercializarem soja no mercado europeu terão que provar que não houve desmatamento recente e comprovar o cumprimento da legislação relevante do país de origem, incluindo a legislação sobre direitos humanos. A soja só pode ser misturada com outra soja que também tenha garantia de ser livre de desmatamento e de acordo com a lei. Comercializar soja para a Europa, sem ter uma ideia da origem do grão, não será mais opção. As principais disposições legais entrarão em vigor 18 meses após a votação final em junho próximo, ou seja, no final de 2024.

Em julho de 2022, representantes de 14 países produtores, incluindo Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia, escreveram uma carta aos formuladores de políticas públicas na Europa, dizendo lamentar que a União Europeia tenha escolhido uma legislação unilateral em vez de um acordo internacional, desconsiderando condições locais e legislações nacionais, e que isso provavelmente penalizará os produtores e conduzirá a onerosas obrigações.

É verdade que não houve muito diálogo. Como disse Gustavo Idigoras, da CIARA, a Câmara da Indústria Argentina de Óleos Vegetais no site DialogoChina em janeiro de 2023: "O mercado nos deu a oportunidade de desenvolver esses programas de rastreabilidade como um nicho, mas agora ele está virando uma condição de produção, e isso é uma mudança transformadora. ... Se a Europa começar, os Estados Unidos e o Reino Unido seguirão o exemplo e depois a China, a Índia e quase todos os compradores".

De fato, esse Regulamento, esteja-se ou não de acordo com ele, provavelmente terá um enorme impacto. E, portanto, não há tempo para os atores da cadeia de suprimentos da soja relaxarem: é necessária uma ação imediata.

1. Informar aos produtores, cooperativas e outras partes interessadas

Na Solidaridad, nossa experiência de comunicação com os países produtores indica que muitos podem ser afetados, mas a maioria não tem ideia do que está por vir. Por exemplo, as cooperativas de agricultores precisam garantir o acesso aos dados necessários, se quiserem seguir abastecendo o mercado europeu. Pode-se pensar de que se trata apenas de uma responsabilidade da União Europeia, mas também é algo com que os comerciantes e os governos locais podem e devem trabalhar.

2. Desenvolver parcerias entre a Europa e atores locais, incluindo governos

Um ponto importante e altamente debatido do regulamento é o Artigo 28, sobre cooperação com outros países. Essa cooperação é essencial para garantir que o regulamento realmente funcione. Mas, como prevê o Artigo 28, o próximo passo deve ser: "a Comissão e os Estados-Membros interessados devem adotar uma abordagem coordenada com os países produtores e partes dos mesmos, para enfrentarem juntos as causas fundamentais do desmatamento e da degradação das florestas". O projeto de lei acrescenta que essa cooperação deve incluir a transição para uma produção agrícola que facilite o cumprimento das exigências da nova regulamentação por parte dos produtores.

Ótimo. Mas a Europa até agora não tem feito muito nesse sentido, e deveria começar imediatamente.

3. Investir na capacitação e garantir que os custos sejam compartilhados de forma justa

Os governos devem ser responsáveis por garantir que os agricultores e suas cooperativas tenham um apoio forte para desenvolver sua capacidade de atender às exigências da regulamentação. Também é muito importante a responsabilidade de qualquer empresa que compre soja. E é absolutamente essencial que os custos de conformidade legal sejam compartilhados de forma justa.

4. E o mais importante: foco na rastreabilidade

A rastreabilidade na complexa cadeia da soja, um produto que muda de mãos muitas vezes e às vezes é transportado por longas distâncias, é difícil de implementar. Normalmente, tanto os comerciantes quanto os agricultores prezam sua liberdade na escolha de parceiros, o que torna ainda mais difícil a rastreabilidade. Será um processo de longo prazo, que muitas vezes dependerá do engajamento entre fornecedor e comprador.

5. Inovar

Há exemplos a serem seguidos. Alguns deles empregam tecnologias digitais. Outro é VISEC, uma plataforma na Argentina administrada pela CIARA que visa a rastreabilidade no Gran Chaco – e, em última instância, a redução do desmatamento. A Solidaridad está colaborando com essa iniciativa, ao apoiar as províncias do Chaco para fornecerem informações públicas que identifiquem o desmatamento ilegal. Apoiado pelo LIF, a Solidaridad também trabalha em ações preventivas, produzindo com múltiplos atores um protocolo de soja sustentável para o Chaco paraguaio. Lá, a soja ainda é uma cultura menor, mas corre o risco de um crescimento descontrolado até se misturar com o resto da cadeia de suprimentos, dificultando o cumprimento das novas regras da União Europeia no Paraguai.

Dados de um estudo da Fundação Solidaridad publicado no ano passado, com apoio do Land Innovation Fund e com a participação da Associação dos Agricultores e Irrigantes da Bahia (AIBA) e da ONG Imaflora no Cerrado do Brasil, revelam grandes oportunidades para empresas e produtores do setor obterem alta rentabilidade ao adotarem práticas agrícolas de baixo carbono. O estudo avaliou 50 fazendas em 22 municípios dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (fronteira agrícola do Matopiba).

Diversas inovações são possíveis e necessárias. Certamente, se puderem ser combinadas com incentivos para que os agricultores produzam de forma mais sustentável - como a inclusão de pagamentos por sequestro de carbono ou por outros serviços - têm chances de se tornarem uma realidade em alguns lugares.

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