Uma agenda positiva para o agro sustentável

Startup utiliza sensoriamento remoto, inteligência artificial e conhecimento dos produtores rurais para o desenvolvimento de mecanismos financeiros e geração de créditos verdes para áreas de formações savânicas e campestres do Cerrado

Fotos: acervo Sintrópica Capital Natural

Um dos biomas mais biodiversos do mundo e com onze diferentes fitofisionomias – divididas entre formações savânicas, florestais e campestres – o Cerrado não é para amadores: imagens de monitoramento por satélite não conseguem identificar, com precisão, a diferença entre uma gramínea exótica como a braquiária e um campo coberto por vegetação nativa. Além disso, a extensão do bioma compromete a viabilidade econômica das análises de qualidade da saúde do solo realizadas manualmente. Uma equipe da Sintrópica Capital Natural trabalha com institutos de pesquisa, universidades e produtores rurais no desenvolvimento de protocolos e ferramentas de análises de sensoriamento remoto e inteligência artificial que permitam uma análise do solo e da cobertura vegetal mais assertiva e financeiramente acessível, transparente e escalável, capaz de viabilizar a geração de títulos verdes e valorizar a agricultura sustentável e de baixo carbono na região.

Integrante do portfólio do Programa Soja Sustentável do Cerrado – resultado da parceria entre o AgTech Garage e o Land Innovation Fund, com apoio estratégico da Cargill, do CPQD, da Embrapa e da Embrapii - e selecionada para receber aporte financeiro do Startup Finance Facility, a Sintrópica Capital Natural desenvolve tecnologias multiespectrais com diferentes sensores para calibrar algoritmos e fazer a detecção de desmatamento ou preservação de áreas de campo e de savana, mais difíceis de serem monitorados por imagens de satélite. A proposta da startup é criar métricas para acompanhar as ações em campo e realizar pagamentos por serviço ambiental, utilizando os dados para a construção de uma agenda positiva de reconhecimento e valorização do produtor rural.

Se vistos do céu, através de imagens coletadas por satélites, campos e savanas são muitas vezes confundidos com áreas de pastagem. A dificuldade de identificar e monitorar essas fitofisionomias, com transparência e precisão, compromete a criação de mecanismos financeiros e geração de títulos verdes para essas áreas do Cerrado. “Essas fitofisionomias não são valorizadas. E pior: são áreas muito valiosas, em termos ambientais. Elas têm maior capacidade de retenção hídrica e registram altos índices de biodiversidade”, explica Fernando de Sousa, fundador e CEO da startup.

A Sintrópica está trabalhando em colaboração com o pesquisadores do MapBiomas Pastagens e do Centro de Conservação do Cerrado do ICMBIo para organizar metodologias de sensoriamento remoto e gerar protocolos de monitoramento capazes de automatizar análises de áreas potenciais para emissão de CPR-Verde no Cerrado, com menor custo financeiro e monitoramento mais assertivo e confiável para o investidor. Com o CPQD, a startup implementa o processamento de dados necessário para a estruturação do processo de inteligência artificial e manejo dos dados em nuvem. Com a Planet, têm acesso a imagens de satélite de alta resolução fundamentais para treinar a máquina e calibrar os algoritmos necessários para um sensoriamento remoto mais assertivo.

Os dados apurados com instituições de pesquisa só puderam ser validados com o apoio dos produtores rurais. Foram eles que identificaram, nas imagens de satélite, a evolução da gramínea ao longo do ano, fundamental para que os pesquisadores pudessem gerar a assinatura espectral da propriedade. “Cada gramínea nativa ou exótica tem uma curva de crescimento própria, com florações e vigor em diferentes épocas do ano. Só conseguimos chegar à reconstituição da série histórica dos últimos cinco anos com a ajuda dos produtores rurais, que nos ensinaram quando cada uma delas vai florir, ou em que época do ano ficam mais verdes ao final do período de chuvas. Essa informação foi fundamental para montarmos a linha de base da nossa pesquisa”, explica Fernando.

Concluído o mapeamento de imagens, a startup foi a campo realizar coletas em áreas de Unidades de Conservação e em zonas de amortecimento dos Parque Nacional das Emas, Parque Nacional da Serra da Canastra e Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros que pudessem servir de parâmetro para a construção da linha de base para o projeto. “O trabalho de campo validou as nossas premissas e confirmou o levantamento realizado por imagens de satélite. Alcançamos um resultado inédito de 85% de assertividade nos resultados. E queremos chegar a 90%”, explica Fernando.

O trabalho de campo explicitou ainda a importância da preservação de áreas savânicas e de campos limpos para a manutenção da biodiversidade do Cerrado. As fitofisionomias funcionam como corredores ecológicos naturais para a fauna do bioma e reiteram a urgência de criação de uma CPR Verde - como acesso a créditos rurais exclusivos ou negociações especiais na aquisição de bioinsumos, por exemplo – capazes de contribuir para conter o avanço da fronteira agrícola na região. “Queremos criar condições para que o produtor produza mais e melhor, e em sinergia com o meio ambiente. Nesse sentido, mecanismos financeiros são fundamentais para que o produtor prefira recuperar uma área de pastagem degradada do que avançar para novas áreas de Cerrado ainda preservadas”, completa Fernando.

Mapeamento inédito de estabilização de carbono no solo:

Imagem: mapeamento do potencial de retenção de carbono do solo brasileiro.

Em outro front, a Sintrópica Capital Natural desenvolve o mapeamento do potencial de retenção de carbono do solo brasileiro, a partir do cruzamento de dados de indicadores variados – clima, litologia, tipo de solo, textura – em suas múltiplas variações regionais, e da capacidade de estabilização do solo com a implementação de práticas conservacionistas. Os dados gerarão um mapa inédito da capacidade de retenção e estabilização de carbono no solo, com a identificação das regiões com maior potencial para implementação de projetos de CPR Verde vinculados ao mercado de gases GEE’s.

“Entendemos que o carbono é uma variável relevante e resultante de práticas conservacionistas na propriedade. E sabemos da dificuldade para mensurar a absorção do carbono em ambientes e solos tão diferentes como os encontrados no país. Nossa pesquisa vai gerar mapas importantes, que apontam o potencial de retenção de carbono e a capacidade de estabilização do solo fundamentados em sua variação climática e mineralógica, para definirmos indicadores adaptados às diferentes regiões e entendermos até onde podemos chegar quando adotamos práticas sustentáveis no solo”, complementa Fernando.

A proposta da startup é alcançar maior assertividade em projetos de carbono no país, respeitando a enorme variedade de clima e condições de solo presentes no território brasileiro. O mapa está em estágio avançado de construção, e deve gerar um artigo científico nos próximos meses, com a participação e a curadoria de pesquisadores do departamento de solo da ESALQ, em Piracicaba. Faltam apenas a consolidação e análise final dos dados coletados em campo.

“Criar condições para o intercâmbio de conhecimento entre a academia e o mercado, a pesquisa e o campo, sempre estiveram no horizonte de atuação do Land Innovation Fund. Iniciativas como a da Sintrópica Capital Natural contribuem diretamente para a construção de uma paisagem de inovação com foco em agricultura sustentável, e reforçam a importância do intercâmbio de conhecimento para o desenvolvimento das soluções”, afirma a diretora do Fundo, Ashley Valle.

Programa Soja Sustentável do Cerrado:

A Sintrópica Capital Natural é uma das 28 startups selecionadas em cinco ciclos para integrar o portfólio do Programa Soja Sustentável do Cerrado (PSSC). Desde que foi lançado, em março de 2021, o PSSC recebeu 253 aplicações de 17 estados do Brasil, além do Distrito Federal. Desse total, 18 projetos implementados por 22 startups foram selecionados para receber apoio financeiro do Startup Finance Facility. Além disso, startups selecionadas para o integrar o portfólio receberam recursos adicionais advindos de instituições parceiras de mais de R$ 2,4 milhões para o aprimoramento das soluções. Participaram do Programa 29 pesquisadores do Fellowship Cerrado e 20 produtores rurais do For Farmers.

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